As crianças das cidades litorâneas brincam mais nas praias sentindo os ventos vindos do mar, pisando na areia, bebendo água de côco e fartando-se com as brincadeiras possíveis no ambiente.
Já as crianças do interior relacionam-se com as coisas existentes no mundo ao redor. Por exemplo: aqui em Piracicaba, no início da década dos anos de 1960, além de quadrar a Praça José Bonifácio, assistir aos filmes dos cines Politeama, Palácio, Broadway, Colonial ou Paulistinha, ouvir os programas de rádio, pouca diversão a mais havia.
A não ser, é claro, para aqueles cujos pais eram proprietários, ou tinham amigos que possuíssem ranchos de pescaria. Aí sim a diversão estaria mais do que completa.
Contudo, no rancho a pessoa tem de aprender a se virar sozinha. Deve preparar - na ausência do encarregado que o faça - as próprias refeições, lavar a louça, higienizar o ambiente e, para os que ficam mais tempo, lavar as roupas.
Mas aos adolescentes que, num domingo, ficassem nesses locais de lazer, na companhia dos pais, dos tios ou dos avós, os trabalhos - é claro - não seriam tão obrigatórios.
Entretanto, adolescente, sem ter o que fazer, - você sabe - logo busca alternativa pra não ficar parado.
Foi o que aconteceu numa tarde de domingo, há muito e muito tempo atrás. Reunidos na bela construção, à beira do rio Piracicaba, logo depois da foz do Corumbataí, os pais, os avós e os tios de três adolescentes, procuravam passar as horas prazerosas cada um a sua maneira.
Enquanto os casais dormiam nos seus quartos, e os avós conversavam na varanda, os moleques tomando o bote, equipado com um poderoso motor de popa Mercury, saíram velozes rio acima, explorando as novidades.
Nesses dias de seca incomum, na opinião de alguns, o rio Piracicaba não passa de um escoadouro de água impura, mas durante o tempo das chuvas o rio avoluma, e suas águas ficam bem perigosas.
A correnteza é bastante forte e, mesmo para os melhores nadadores, não é fácil permanecer confortável, por muito tempo sobre ela.
Naquela ocasião estavam os três garotos num bote velocíssimo navegando sobre as águas barrentas, contra a corrente, quando ao se aproximarem das estruturas da ponte do Caixão - que naquela época estava sendo construída - avistaram umas manilhas de concreto postadas ao longo das margens. Algumas estavam ilhadas.
Fazendo uma curva fechadíssima para a direita, o piloto comandou a embarcação para o tubo cinzento ali jacente.
Reduzindo sensivelmente a aceleração do motor, deixando o bote deslizar calmamente, o piloto mandou aquele que estava mais próximo da proa tocar na manilha, suavizando, desta forma, o contato do barco com o objeto.
Dois garotos subiram na manilha. Ao olharem para dentro dela avistaram uma pimenteira vicejante ao lado de uma vara bem grossa que, tocando o fundo úmido, permanecia com a outra ponta, encostada numa das paredes internas.
Isso tudo não teria nada de excepcional se não fosse por um detalhe inesperado: é que, enroscada na vara, havia uma cobra verde aparentemente dormitando.
A partir daquele momento então a prioridade dos garotos era a de pegar a tal cobra. Mas como fazer isso? Um deles sugeriu que puxando devagar o pau, que há tempos estava ali, traria com ele, a cobra preguiçosa.
E não deu outra. Devagarinho, o mais taludo foi tirando o bordão e, com muita delicadeza, pegou a cobra verde pelo pescoço.
A primeira frase que se ouviu depois da captura foi:
- Vamos levar para o vovô!!
O bote, zunindo, agora a favor da corrente, chegou rapidinho ao rancho onde o pessoal estava ou tocando violão, ou dormindo na rede ou jogando conversa fora.
A cobrinha foi apresentada ao vovô que, notando estar ela morta, devido à pressão exercida sobre o seu gorgomilo, mandou que alguém lhe trouxesse uma tesoura.
Com a posse do instrumento o avô mostrou aos moleques que ela tinha alguma coisa na barriga. Devia ser a refeição que fizera há algum tempo.
Usando muita delicadeza o vovozinho abriu o ventre da cobrinha verde, donde saiu um pequeno sapo já metabolizado.
Naquele bucólico final de tarde, junto com os oprimidos que sempre se queixam dizendo "pimenta no olho alheio é refresco", não tiveram também muita sorte, nem o sapinho, e nem a cobrinha verde.